terça-feira, dezembro 19, 2006

talvez um gesto

desfizesse o enigma do teu rosto
mas meus olhos são setas claras e duras,
e os teus, entre feridos e culpados,
me encaram

na paralisia em que hesito
há lábios que se crispam
sobrancelhas contraídas
mas mãos abertas e alheias

não desfaço minha face, nem a tua,
e no silêncio de um instante
sequer balbucios entre nós dois

até lembrarmos dos olhos,
estes imunes ao silêncio,
a brisa sopra
entre paralelos e estáticos
nos derrubando lentamente,
dois retratos

quinta-feira, dezembro 14, 2006

para abrir depois do portão - velha versão

Esse foi um poema que perdi várias e várias vezes; toda vez que tentava registrar, ou o papel sumia, ou o pc dava pane, ou caía um raio na minha cabeça, etc, enfim. O fato é que certo dia acabei reconstruindo o poema em verso, pela memória, direto aqui no blog. Fiquei satisfeito com o resultado na hora, mas depois nem tanto. Pois hoje achei a versão em prosa que tinha escrito há um tempo atrás, e qual não é minha surpresa que ela me parece bem melhor do que a versão versificada que fiz depois. Minha primeira tentativa de prosa poética, confiram aí ;)



para abrir depois do portão



aquilino e diagonal, atravesso o retrato da árvore pintado na janela do carro. paro, aprecio, até que olhares em alarme me coajam. sigo. tropeço sobre a sombra dos pássaros parados na lâmina do meio-fio. mais tempo perdido, sigo. me assombro com a passagem rápida dos carros, enquanto me equilibro nas pedras tortas do canteiro. sigo. no percurso, uma pausa para pensamentos, se não fosse o assédio da cidade, que torna-se turba no vão da pista. algazarra, silencio. sofro a coação da parada. o reflexo tremido, nervoso, do espelho do ônibus. me vejo passando feroz como a paisagem
ao puxar do fio, o pensamento se desata. mas não sem antes me escrever um bilhete, que engarrafado, jogo para que bóie no concreto e asfalto. e sigo.

para abrir depois do portão.

domingo, dezembro 10, 2006

eita eita eita

''Vá ao pinheiral se você quer aprender sobre pinheiros, ou ao bambuzal, se você quer aprender sobre bambus. Fazendo isso, você tem que deixar de lado essa preocupação excessiva consigo mesmo. Senão você só se impõe no objeto e não aprende. Sua poesia emana do seu íntimo quando você e o objeto se tornam um. Quando você, enfim, vai fundo o suficiente para ver uma espécie de brilho escondido ali. Por mais bem fraseada que sua poesia possa ser, se seu sentimento não é natural, se você e o objeto estão separados, então sua poesia não é verdadeira poesia, mas só uma mera falsificação subjetiva.'' Matsuo Bashô



Interessante como mesmo falando sobre a necessidade de se apropriar dos objetos, sair do umbigo, Bashô reforça a importância do subjetivo, do eu. Não há expressão que não seja extremamente vinculada, irrevogavelmente, aliás, ao seu próprio modo de ser, seus interesses, sua subjetividade. Mas para não se encerrar nisso, já que a arte é algo socialmente inscrito, é preciso exercitar o apropriamente de outro eu, ou de partes do próprio eu que às vezes é deixado de lado. Estou escrevendo um conto há um bom tempo, e estou tentando me apropriar disso... Talvez quando eu publicar pensem que o que escrevo não tenha nada à ver comigo, que está algo por demais frio, mas isso seria apenas uma visão imediatista das coisas. Nem só de lágrimas vivem as emoções.
*editado: corrigi o ''senão'', que tava separado na citação.
Aproveito ainda pra falar de onde tirei a citação, trata-se da abertura de uma parte do livro Polivox, ''Satori Uso'', do poeta Rodrigo Garcia Lopes(eita nome!). Gostando muito das coisas dele, essa seção que é aberta pela citação é só de hai cais escritos verticalmente, como se fosse grafia japonesa, só que em português. O interessante é que, além de ser referência à origem do hai cai, a leitura vertical é mais lenta, o que é propicio ao clima do hai cai. Descobri inclusive que usei um dos peomas(sem título) como mote pra ''gato preto sobre gato preto'', poema que eu publiquei um tempo aqui atrás, sabendo que já tinha ouvido essa expressão, mas sem saber onde.
Reproduzo-lhe aqui:
Photobucket - Video and Image Hosting

terça-feira, dezembro 05, 2006

para abrir depois do portão

aquilino e cruel, transversal
atravesso os espaços que me separam do meu destino quotidiano
tropeço na sombra dos pássaros sobre o meio-fio

me levanto
e me espanto
com o retrato da árvore refletida na tela da jenela de um carro qualquer
olhares de vigilância incidem sobre mim, e fujo, coagido

mais diagonal do que nunca
percorrro os fios ao bater de cílios
me abismo ilhado entre dois tráfegos, e equilibro
a mim mesmo sobre fluxos opostos

sigo

sofro o assédio da cidade,
a turba presa no espaço entre a calçada e a pista
o baque surdo no vidro
e elogios pouco cordiais
o fremido dos freios dos carros
o som da cidade em frequente cio
do macho que toma à fêmea à força(a borracha e o asfalto)

mas sigo

o meu reflexo treme febril no espelho do ônibus,
imagens que passam indistintas, ainda que não tão velozes
formando um novo abismo
mas já é o fim da linha
e o pensamento se desata
ao meu puxar do fio

e sigo

naufragado entre concreto e asfalto
mas não sem antes me escrever um bilhete
para abrir ao fechar do próximo portão

domingo, novembro 12, 2006

vazinho

Olha o jardinzinho na varanda! Ela fez o chão de concreto, pra absorver a água que transborda dos pratinhos depois de cada vazinho ser encharcado cuidadosamente com o aguador. Olha só, ele é rosa, não é bonito? Mas que idéia, hein? Quem iria pensar numa coisa dessas? E ainda deixou aquela varandinha minúscula tão mais aconchegante... azulejo é uma coisa bonita, mas parece hospital, né? Uma idéia tão simples, tão simples, mas tão boa. Uma besteirinha mesmo, mas um efeito tão bom.

- Foi uma ótima idéia, Margarida, incrível como os pequenos detalhes fazem a diferença.

Risos. A outra assentiu com orgulho:

-Sim, sim, deu uma diferença, não é? Sabe que eu fiz sem nem saber se ia dar certo? Tava olhando outro dia o jardim de inverno da minha cunhada, quando viajei pro interior, ela foi me mostrar a reforma que tinha feito, eu achei lindo, ela disse que gastou tão pouco; concreto é barato, né? E em conta, eu pensei: porque não? Risos.

Uhmmm... Então a idéia nem fora assim tão original. Combinava com o apartamento, tudo tão simples, o sofá amarelo opaco com aquela parede branco gelo... Simpático até, aconchegante, mas bem simples, era mesmo o jeito do João, da Margarida, gente tão boa, ela tão inteligente, mas tão pouco afeita ao requinte... Pro João tanto faz, aliás, pra ele quanto mais prático melhor; não se importa de pagar uma boa nota por isso. De qualquer forma, a idéia tinha sido dela, quer dizer, mais ou menos dela, mas ainda assim parte sua; ela, que se recusara a ir no curso de decoração porque achava bobagem, melhor cuidar do curso de culinária vegetariana, o João engordava, o colesterol alto, ele beirando aos 40, aí já viu, né?

- Ainda bem que o Miguel faz yoga e dieta macrobiótica; ele até disse que ia comigo no curso, acredita? A gente tava querendo fazer uma mudança na casa, e...

-Hã? Curso... que curso?

-Ai, esquece, mulhé, tô misturando os assuntos. Cê lembra do curso de decoração? Poisé, queríamos dar uma geral na casa, ele não gosta como tá, nem eu. Sabe que a gente mudou meio com pressa, né, não dava mais pra morar na casa da mãe dele; ela não é que nem a sua; ela manda até hoje bolo pra vocês de vez em quando, né? Falando nisso é tão boa aquela receita, hein? Cê tem que me passar ainda. Pois então, como eu dizia, sabe como é, a gente foi se ajeitando aos poucos, primeiro a cama, é lógico, depois sofá, fogão, microondas, decoração. A geladeira a gente já tinha porque tinha comprado antes, né? Se a jararaca não tivesse surtado, tinhamos comprado mais coisa, é lógico, mas a gente teve que ir se virando com o que tinha. Eu sei que no final ficou uma coisa meio esquisita, muita coisa bonita, mas que não combinava, cê sabe como é, né? O Miguel tem uns gostos exóticos, eu adoro, detesto mesmice mesmo, mas fica difícil equilibrar...

-Mas que é isso, Cláudia, você tem um apartamento tão bonito!

-Ah, que nada, bondade sua, querida. Quer dizer, é bonito, claro, mas sempre pode dar uma melhorada, né? A gente, pelo menos, tenta...

-É...

Não consegui ainda... Claro que o apartamento era mais bonito que aquele ali; mas também, aqueles dois mal ligavam, era um desleixo com algumas coisas, era gente tão boa, não entender por quê. Mas apesar de tudo eram definitivamente ótimas pessoas.

-Quer biscoitos?

-Não, não, brigada, já comi minha cota hoje. E esse vasinho, de onde veio?

-Ah, foi da nossa viagem à Índia, sorriu.

-Uhmm, claro! Bem pude ver, esse tipo de pintura... Muito bonito, teve uma época em que foi moda, né?

-Foi? Eu acho tão bonitos, além daquela coisa, tem toda uma história, um negócio assim simbólico, algo a ver com Shiva ou com as castas...

-Com as castas? Ai, que horror! Por isso que não gosto desse negócio de tradição, serve só pra manter coisa ruim... Prefiro meus jarrinhos de plásticos, sabe que fora desenhados pelos irmãos Campana?

-Uhm, legal... E o Marquinhos, como tá na escola? Aquele problema das mordidas?

-Ai, o Marquinhos! Quase esquecia... querida, adorei a nova varandinha, mas tá na nossa hora, oito e vinte já. Você pode me levar até a porta?

-Que é isso, Cláudia, ainda tá cedo! Os meninos mal começaram a conversar... Deixa eles ficarem mais um pouco...

-Ah, Guida, eu adoraria, mas o Marquinhos tem já que dormir, aula cedo amanhã e ele não dorme com a empregada.

-Uhm, então tudo bem. Espero vocês de novo, então.

Sorriso na boca; na outra, dois beijinhos, o estalido da tranca da porta às suas costas. Mas não sem antes ter que passar novamente pela varandinha, decorada com o mais rude afinco, a salinha simpática e minúscula. Ao chegar ao corredor fechado, um suspiro; vaso de planta, tapete, quadro, tudo igual, seu andar. Miguel vai à frente, abre a porta; quatro metros percorridos com alívio, ela tira os sapatos antes de entrar... e ufa!

quinta-feira, novembro 02, 2006


CENA FINAL: CAMPO EM FRENTE AOS PORTÔES NEGROS. FORA. NOITE.



As tropas inimigas marcham de encontro uma a outra: um, três, um, três, um, três, sentido, confirma! Quatro, cinco, quatro, cinco, atenção, confirma... Sentido? Uma multidão de corvos impávidos colossos observam sobre os portões.

Enquanto isso, os dois casais remanescentes da Sociedade chegam à taberna para cumprir sua missão; defender o hobbit barbudo até o fim. Lula, sim! Depois de tantos obstáculos, longos meses de jornada, montanhas de dossiês, mídia, militantes, partidários e ex-coleguinhas, chegaram, dentro do possível, quase intactos e transatlânticos. Mas a tranqüilidade não dura muito; logo são rechaçados por uma terrível chuva de bolinhas de papel.

Recuam e recorrem a uma rodada de cerveja, por favor. Chega um momento, entretanto, que não conseguem sequer pensar em aceitar que o hobbit possa lançar seu anel no abismo, e hesitam; cantam o mantra lulalá, é de novo com a força do povo! E não ficam incólumes: arma-se o flagra da recusa de um documento-panfletário, e pronto, denúncia nela! Não quer ser apurada, aponta-lhe o dedo, afirma quem é você para falar em moral...
E no final de tudo, ficam os anéis e vão-se os dedos.

Sem noção? Eu? =o
Toma: http://noticias.terra.com.br/eleicoes2006/interna/0,,OI1194864-EI6652,00.html

quarta-feira, novembro 01, 2006

talvez um poema


que desfizesse o ritmo das tuas possibilidades,
transformásse em lá tua marcha ré,
e galopasses num ritmo sempre delirante
desfizesse o enigma do teu gesto, a ti mesmo,
te mantivesses ereto e firme como um lord inglês
dissesse não podes, não dá, mas irás conseguir
mostrasse o que há detrás de cada porta
e que pudesses mantê-las fechadas
revelasse tesouros por detrás de meio-sorrisos
e lhe lambesse os pés cansados
mas que nunca, nunca
nunca te prendesse dentro de um balão de hélio

domingo, outubro 29, 2006

Oh Marinheiro

Essa é a segunda versão do conto ''Oh Marinheiro''. A primeira saiu no zine ''Canhotos n#3'', que eu faço e organizo junto com um grupo de amigos da facul. Resolvi fazer essa segunda versão por ter ficado bastante insatisfeito com a primeira. Peço desculpas àqueles que já estão com o exemplar em mãos pelos erros, mas aqui tentei corrigí-los e melhorar o texto de forma geral. A estrutura permanece a mesma, apenas corrigi e fiz algumas alterações, inserindo e retirando algumas coisas. Não tenho costume de escrever contos, sou bastante imaturo quando se trata de prosa, mas aqui está a minha última e esforçada tentativa. Críticas muito bem-vindas, por favor, como disse no post anterior. Ah, o desenho abaixo é do Diogo Braga, via ferramenta ''manuscrito'' do msn. Achei que ficou muito boa pro contexto, obrigado!








O dedão do pé saltando fora do píer. A garota à espera do seu amado para vê-lo despontar no horizonte, do alto da proa, com seu corpo inclinado sobre a mesma, os cotovelos apoiados no parapeito e o cigarro quase esquecido, jogando cinzas no mar. Era sempre assim que chegava, a brisa soprando forte, enovelando os cabelos dela pelo ar, ao redor apenas o vento assoviando às suas costas. E ela ereta, imóvel, sobre a fina tábua de madeira, planando. À frente, somente o gargarejar forte das ondas do mar.


E o chamaria de azul, se nessa história coubessem alguns tons a mais de lirismo poético. Mas não, aquele mar era o mar de todo e dia e pronto. O mesmo mar que espiava pela janela, todos os dias, nos intervalos do trabalho e da rotina. Só não era o mesmo que à tardinha, quando o sol se pondo no horizonte era sempre novo, e bonito, e a coisa mais linda que. Nessa hora do dia não se contentava somente em esperar na janela ou pela rotina, e sempre corria até ver de tão perto quanto podia a luz escorrendo pela água, seus olhos deslizando de margem a margem. E o mar então não parecia tão terrível; porque o mar quase sempre o era, não um azul, como já disse, mas uma força. Força essa que tragava e cuspia seu amado em soluços violentos e desritimados. Mas não, nada disso, ali o mar parecia apenas bonito e belo e bom, o mar.


E a despeito do descompasso de suas passagens, o marinheiro começava a demorar cada vez mais na Cidade Portuária; alongavam-se seus passeios com a menina, das duas quadras da feira à casa dela, quando educado a ajudou com as compras, até a orla inteira de mãos balançando lado a lado, ele e a menina. Menina, sim, pouco mais nova, dois anos na verdade, mas o fato é que o consenso na cidadezinha era que ele era um rapaz e ela uma menina. O que não impediu que certo dia ela olhasse fundo com os olhos azuis nos olhos dele; ele falava de coisas que havia além do mar, qualquer bobagem como um tipo de teto diferente nas casas, e ela achava realmente pequeno, improvável, mas tão bonito que ele era mesmo muito sensível de reparar. E foi perdida pensando nisso que mirou firme seus olhos, e demorou pra perceber que pedia um beijo, sorte dela que ele também isso não esperava, não agora, assim, vindo dela. Perceberam quase na mesma hora, e ela se desfez toda em rubor, olhou pro horizonte como se algo lhe impressionasse, concentrada. E ele tentou reatar o olhar, se aproximar dela, mas ela já havia se fechado em recato. Já estava feito o pedido, entretanto; ela havia sentido, e decorou: um arrepio do cóccix até o pescoço. E o vento passava levantando seus cabelos.


Depois disso ele foi embora, como sempre fazia. Agora, no entanto, pra ela que normalmente não se importava tanto, era como se partisse pela primeira vez. As outras vezes haviam sido até tranqüilas, ao vê-lo partindo já sentia antecipadamente o gosto da sua volta, mais forte e bom do que antes de partir. Dessa vez, porém, sentiu um pouco a partida, como se a cada retorno ele voltasse menos e ela também. A cada dia que passava se regava de possibilidades, de passeios e palavras. Não, não era ela, fora ele quem regara: o toque no ombro quando avisou que havia prendido a saia no prego do píer, a mão na cintura ajudando-lhe a subir a escada. Foram todas promessas, ela sentiu. Mas três meses se foram; ela agora transbordava e sentia-o escorrer pelas bordas. As cartas que mandara? Voltavam. Ao recebê-las, relia-as cuidadosamente, como se tivesse enviado a si mesma e não soubesse o que nelas havia, rememorava suas lembranças e as sentia crescendo, como se fossem novas e acontecessem agora e de novo e sempre... E ele não chegasse nunca...


Mas como sempre, quando foi um belo dia, voltou. Digo, passou, era impossível voltar, nunca esteve. E ela sentia isso, tanta raiva que... Não importava, não ainda. Não mais, voltando ou passando, ele chegara. Trouxe uma rosa murcha e um botão de rosa feito broche; foi o gesto mais bonito do mundo. Uma rosa de lá do outro lado do mar: rosa azul, mas não de especial que fosse, era um azul de murcho, de ter viajado toda aquela maresia até ali. De qualquer forma, uma rosa de um lugar outro, ela que quase não ligava pras rosas daqui. O lugar de onde ela vinha, nem imaginar ela conseguia, era um lugar diferente, ela sabia, mas o via como sua cidade acrescida de um borrão de neblina, que ela sentia diferente. Talvez por isso a rosa fosse presente tão bonito. E junto veio um pedido, namorariam. E ele se foi.


Mas já não era ela tão sozinha, tinha uma coisa ao menos: era uma namorada. E um bom tempo se passa. Ela não saberia dizer quanto, pra cidade é muito tempo e pra ela mais ainda. Nesse intervalo, o flerte de vários rapazes, alguns deles tão ou mais bonitos que o marinheiro; atenciosos, mais educados até, achava. Nenhum, porém, tinha aquele cheiro de além-mar, nem aquele gosto de neblina.


Passou-se mais muito tempo, os rapazes continuavam aparecendo, elas os rejeitando paciente, até que os cortejos começaram a diminuir... Aos poucos, mesmo se desfazendo das investidas com toda a polidez possível, começou a ser vista com ressalvas. De qualquer forma vez por outra os flertes ainda aconteciam, na cidade já era considerada por todos quase como solteira, embora ela mesma se sentisse mais para quase como viúva. Não sentia-se livre, nem compromissada com algo presente, era uma dor do que acabou sem se perceber antes do acabar. E quando já quase não podia mais, ele voltou; sem o mesmo frescor da barba sempre aparada, naquele queixo impiedoso havia agora uma barba rala, e abaixo dos olhos, pequenas bolsas de olheiras começavam a aparecer. Cansado de tanto trabalho, pensou ela, já estava na hora de casar, cuidar direito do seu homem. E foi aí, ali mesmo no porto, que ele falou em noivado, de inesperado e excitadamente. Incrível como ficava feliz cada vez que voltava e lhe encontrava à sua espera no píer.


Não que fosse do tipo frívolo, pelo contrário, mais contido e auto-centrado não poderia. Seu sorriso não era aberto, mas de canto e de olhar arguto; quando demonstrava alegria quase sempre o fazia como se estivesse sozinho regozijando-se. Mas quando falava, há quão junto eles parecia estar! Não ela só, aliás, mas toda gente, conduzidos assim pelo seu ritmo, arfante. Daquela vez, porém, logo depois do pedido, de súbito entristeceu. Ficou cabisbaixo, falou à meia voz que não podia, não podia casar tão logo; precisava do ordenado da Marinha para sustentar a mãe doente. E aquela tristeza era tão estranha e tão pouco triste, que ela ficou confusa, titubeava; não sabia se era mentira, pois sequer havia o visto triste até então. Aquela tristeza que não tocava o chão, no entanto, era o que de mais próximo e humano ele já tinha apresentado. Ficou impressionada com isso, e lhe amou ainda mais; soube suportar a dor e disse que compreendia.


Começava a aprender a amar, ela sentiu. E com isso a tristeza se transformou em enorme alegria e a partida novamente quase não doeu. Ah, só esqueço de dizer, e é importante, ele deixara agora também outra coisa: era noiva! Não mais só, não mais namorada, ela agora tinha algo ainda mais precioso: um anel. Disse que não poderia casar agora, mas que ficava o compromisso, e lhe fez noiva, para desenlaçar de vez seu novelo de pensamentos. E fez até que os cabelos ao vento dessa vez permanecessem desembaraçados no porto, esperando. Não sei por quanto tempo, mas o texto termina, porque a espera dela não cabe em canto nenhum: não cabe aqui, não cabe nela.


sábado, outubro 28, 2006

sinto muito, falo pouco, ouço tudo que não se diz 2

Veio por meio desse, pedir encaricidamente que me batam, me pisam, cuspam e depois passem por cima. Quem escreve é mesmo muito desavergonhado, como quem levanta a saia no meio da freira: o prazer é de voyerismo sem vergonha mesmo. Por isso pisem, pisotiem, passem a mão: é pra isso que estamos aqui.

Escrever é uma necessidade e não um dom; escrever eu não sei, mas eu preciso. E quando digo não sei não é por humildade nem nada, mas porque não é sem muito esforço que eu consigo chegar perto de dizer o que queria, quase sempre não consigo. Aliás, conseguir não; tanger. E literatura não é biografismo por mais que seja feito de sangue e suor(mais suor do que se pensa, na verdade, e não de alma, sangue mesmo). Entre o eu e o escritor tem pelo menos o tal do lírico, e ninguém é lírico de verdade, é sempre uma invenção, nem que seja de si mesmo, ou, principalmente, de si mesmo.

Por isso não tenham pudor de dizer não entendi, achei confuso, não tá bom, esqueça, não escreva nunca mais, por favor! Porque eu vou continuar a escrever de qualquer forma, se deus quiser e ele há de querer cada vez menos insatisfeito, apesar de saber que satisfeito mesom eu nunca vou ficar. Nunca me convenço com elogios mesmo, mais garantido pra credibilidade de vocês que me desçam a lenha. Com carinho, claro, mas sem muita frescura.

E obrigado a todo mundo que lê, comenta, ou lê sem comentar mesmo, são todos muito bem vindos, sempre.

sexta-feira, outubro 20, 2006

por cima dos fios

ao bater de cílios
por cima dos fios
sobre a calçada,
pista casa gato muro chão

o fluxo contínuo interrompido
nós amarrados a cada poste,

pairando
paralelos
panorâmicos

sobre a textura dos dias,
asfalto
e lá embaixo
escorrendo
pelos vãos
e
dobras do cotidiano, esquinas,
meninas do sinal diruno,
saltimbancos do sinal de trânsito,
equilibristas do meio-fio, em abismo
ou garotas nas ruas escuras do centro,

nós, perpendicularmente isentos;
película do insulfilme,
cacos de vidro sobre o muro
e o tudo bem tudo bom
nos acenos de calçadas
opostas

quinta-feira, outubro 19, 2006

segunda-feira, outubro 09, 2006

das coisas que são

O papel brilhante rasgado
a caixa de papel exposta em pedaços
dentro, um brinquedo?
não
um mundo novo de cores e sensação


o dia é claro
a luz amarela atravessa a película azul
e transita entre o brilho e o opaco do cinza da mobília
os lençois retorcidos, a roupa de cama um pouco fora do lugar
um espasmo de preguiça,
as pernas cavalgam até a pia


o tubo em forma de foguete
o violeta fluido da sua textura
seu brilho ascendente
passar a pasta na escova... higiene

não, um mergulho no mar da televisão
de jet ski, lancha e água cristalina
um paraíso, sem medo do fundo ou de tubarão


uma tarde que desliza enquanto o sol não se põe
e a ansiedade morna aconchega
prometendo um tipo agora vago de entusiasmo
uma tarde na casa do primo com primos
uma promessa de caminho fácil
para algum lugar que fazia falta

e tanto e de novo e insistentemente
até a exaustão do encantar-se
aquele encanto se oferecia
tão doce que não roça a língua
e macio até o ponto que aos dedos não fizesse pressão


saudade do tempo em que me refestelava com menos que uma epifania...
agora me falta perícia pra administrar as coisas que sou com as coisas que são.

segunda-feira, setembro 25, 2006

gato preto sobre gato preto

a certa distância difusa
há formas apagadas
em cores escuras;
a imagem do que se chama de nada.

mas o que há, advinho,
é volúpias e volúpias de escuro:
o preto cobrindo o preto,
o escuro no escuro
não monocórdios em monotonia,

não é preciso de claras fronteiras
para que existam um e o outro
além da monocromia,
pois não há tensão nessas linhas,
e sim espasmos trêmulos
que permitem, inclusive,
haver entre eles, um terceiro:
gemido no horizonte,
o vermelho.

domingo, setembro 03, 2006

sobre os fatos

as coisas existem
independente d'eu existir ou não?
essa pergunta é,
antes de tudo, um fato.


*pseudo-filosofando sobre a influência do mestre arystóteles e da sacerdotisa lispector.

segunda-feira, agosto 28, 2006

raikais na areia

brisa, leva, vento
areia perfura as pernas
corro para o mar





castelo à mão
transbordo do mar dissolve
o suor do tempo



coceira no pé,
salto de espanto
pisei em uma estrela!




sentado na margem
água passa por debaixo
me afunda na areia



juntos, os dois pés
afundam-se na areia
e se erguem em ondas

sexta-feira, agosto 25, 2006

haicai - exercitando

seguindo o mestre ary san, aqui o primeiro rebento:


por detrás da grade
um cachorro me persegue
pra além do seu fim




pra quem não sabe, que nem eu, o que são haicais: são poemas tradicionais da cultural oriental(eu arriscaria japonesa, mas não tenho certeza), que possuem uma métrica fixa, 3 versos de 5, 7, 5 sílabas poéticas respectivamente. se não me engano, eram poemas que surgiam a partir da meditação e contemplação da natureza. sem contar que sempre se remetia de alguma forma a uma estação do ano. são poemas que capturam uma imagem cheia de significado. mesmo que fugindo da tradição, como aliás muito já se fez e faz, foi isso que tentei fazer aqui. *confirma mais haicais que o mestre ary san fez, é só ir no Mergulho no Raso.

http://mergulhonoraso.blogspot.com/

quarta-feira, agosto 16, 2006

a POESIA desCARAda#3

a poesia escorre

escorre pelas bordas dos lábios

dos teus lábios, versos

lhes apara com a língua

devora meus olhos

me sorve pelos vãos

borbulha saliva dentro da minha boca

o céu lá de dentro se derrete

agora é mar

me dá vontade de tomar

tomar pra si

fazer com que o que é

se torne simples mente pertencer

escapar ao que é essência

pela tua condescendência

te colocar entre os dentes

acima das papilas

e te deglutir pelos ares



 

sábado, agosto 05, 2006

desconforto

Epílogo:

Ele não sabia tomar sorvete
Ele não chupa a bala que vende
Ele não sabe quanto é
Ele não sabe quanto

Tinha receio, sem precaução,
Ele não podia ter!
Cedia ao desejo, de olho aberto
Não se priva, mas se sacia com parcimônia*

*Ele não sabe o que é parcimônia
Ele não deve saber! Ele não pode!

Ele não devia estar tão exposto
Sozinho no banco
Com as pernas balançando
Enquanto não sabe tomar sorvete

*Ele não sabe se desconcertar
E isso é de desmontar qualquer um...

Porém, ninguém se desmontou


Prólogo:


‘’Me deixa, me deixa ver se eu caibo no teu desconforto...’’


Enfim:

Escrevi há pouco tempo esse verso, tentativa de captura lírica de um incomodo qualquer: a identificação morna que senti ao presenciar cena de embaraço, instante fugidio de um qualquer alguém. Instante fugidio e banal, e digo banal de ‘’banalidade’’ mesmo, não por banalização. Um engancho na palavra que não desce à boca, um segundo de hesitação que cala a segurança, e o corpo todo se desencontra. E o incômodo a que me refiro não foi o dela, foi o meu, maior ainda, ao lembrar que normalmente me sentiria sensibilizado, mas ao contrário, havia em mim apenas uma indiferença obscena e indecorosa. Tentei sublimar isso escrevendo um apelo a mim para que tentasse sentir o peso de ser o outro. Lirismo cínico esse o meu.

Pois bem, voltando ao começo, e usando o verso solto de gancho pro meio: hoje eu coube. Em outrem, e mais do que eu imaginava. Esperava que o desconforto alheio fosse menor que o meu, que eu ficasse ridículo feito um adulto com roupa que encolheu, a calça virando bermuda, enfiada no meio das pernas. Ou que a vestisse feito uma caixinha de pano e papel, deixando meus braços de fora. Mas não. Ele me coube inteiro. Inteiro e com vazios, como todo desconforto deve ser. Estava ali, dentro de uma caixa sem gravidade sendo chutada em uma partida de futebol em câmera lenta.

O cinismo desprevenido que joguei sobre os outros cai agora sobre mim com peso o opaco do sarcasmo. Sarcasmo da vida. A consciência da repetição não diminuiu o estranhamento vazio em nada. Não me coube indignação, revolta, tristeza. Apenas o sentimento de esquisitice extrapolando, me negando a encarar a normalidade quase boa de tudo. Nesse momento, o desconforto me comporta todo. Sou eu sentado como criança num banco alto, balançando as pernas no ar que mal se move, comendo um sorvete sem saber como. Sou eu me apropriando das cenas que vejo, repetindo meu exercício narcisista de inventar tristeza alheia para dar vazão àquelas que eu não me lembro. Não quero achar explicação. Não quero que o leitor me dê nenhuma. Um desconforto é só isso, um encerramento claustrofóbico. De que, em que? Não sei. Não é retiro espiritual, é retirada do espírito, confiscado. Por que? Por quem?

Não posso fazer o sacrilégio de dizer alguma coisa.

domingo, julho 30, 2006

a palavra dita

a palavra e o som
o escrito e a palavra

é isso que eu faço: eu falo
mesmo escrevendo, eu digo

não faço arte, nem bibelô
muito menos o feio que grita

não crio, nem invento
trascrevo

e espero que não esperem nada de mim
pois com certeza vou chegar atrasado

quinta-feira, julho 06, 2006

o tempo escorrendo




o calor amolece as horas
leite pastoso escorrendo,
suor na testa,
o tédio é quente
dilata a dor de cabeça

reaviva a memória
de tudo que não acontece
pois nem tudo acaba no final,
às vezes termina no começo
e se repete em eco de desabamento
pesada a memória do que não aconteceu

alguns quilos de nuvem queimadas de sol
a balança do tempo

o tempo é o antes do verbo
o presente que amarra a memória,
mas não acomoda lembranças
nem cabe nos planos,
o presente é o relento da metafísica


quotidiano




A cota de cada dia
fragmentação da monotonia
monocromos partidos
vidas (in)trincadas:
não é a rotina que é lenta
nós que somos, e ela nos atropela

http://www.youtube.com/watch?v=qSr8ni3jXU0

sexta-feira, junho 30, 2006

Éterarte!

Eu quero poesia nas paredes
do meu quarto
Eu quero a minha sala
toda pinturizada
Eu quero cores vivas
na cesta de frutas
Eu quero uma luz bonita
no meu domingo à noite
Eu quero que as buzinas
se tornem melodia

Quero o dia-a-dia, até melancolia
Quero qualquerum, quero a meia-luz
Quero meio-tons, até saturações
Quero infinidades e o particular

Quero ver meus medos
causando mais que espanto
Quero perder a patente
da minha própria alegria
Quero ver minha tristeza
Sem olhos molhados
Quero escrever poesia
na extensão da tua pele...

E até escreveria,
se não fosse tão bonita
E já escrevesse em mim!

Enfim, eu quero padecer no paraíso,
passárgada no caminho ao lado da minha cruz...



Eu quero é que meus vazios se encham de éter!

domingo, junho 18, 2006

Doido varrido

Doido varrido - da série auto-abandono, maiores abandonados


Sempre que me encontro perdido demais,
Ensaio alguns passos para trás
Procurando o caminho por onde vim.
Mas hesito logo, quando lembro
que o que temo está justamente ali.

Não tenho medo de seguir, ir pra qualquer lugar,
Porque eu não vou mesmo pra lugar nenhum
Doou voltar em mim, voou do sótão ao porão
Mas o motivo da fuga, que não é só um
Encontro na verdade na sala de estar(não estou!)

Reformada, linda, e uma pilha de tapetes no centro
Mal se equilibrando tal Torre de Piza
Contínua iminência de desabamento fatal
Vou descobrindo um a um os milhares que há
Buscando a poeira esquecida da memória
Onde começou toda essa bagunça

Porém, toda vez que isso acontece
Minha primeira intenção logo padece.
O fungo do abandono, esquecimento,
Me faz espirrar epileticamente de anseios
Rinite emocional, auto-alergia...
Eu desencano, pego novo e grosso manto
E jogo o tapete sobre mim. Fim.

quinta-feira, maio 25, 2006

pornoGRAFIA desCARADA #2

como cortinas de mistério,
cerradas com leveza,
moldam forma redonda, perfeita
textura de veludo, mas levíssimas
vão se abrindo lentamente

porém entre elas há véus duplos
feitos de finos fios de escuro
cobrindo um brilho mel perolado,
semicerram-se pausadamente
qual dança que envolve e alterna
vislumbre total e mistério
da visão da sedução em si
aumentando assim o desejo
e quebrando os paradigmas do possível

a entrevista pupíla, pele nua
tão penetrante que o olhar se perde
ao avistar seu gêmeo, complemento

mas logo encontra finalmente
a sua razão de ser: o comtemplar
a comtemplação que é o oposto da apatia

segunda-feira, maio 22, 2006

auto-abandono, da série abusos condescendentes

Eleu sentia-se tão frágil
deitado, parado, controlando a respiração
na tentativa vã de controlar seu pulso
como se pudesse diminuí-la ao ponto
da quase não existência ,
que não conseguia, afundado em dolência
enfrentar a contínua eminência incontida
de sua total desvanecência
preferia qualquer coisa
àquela ânsia caústica que o castigava
desejava, então, ser violado
por abuso alheio e derradeiro
forma única de desfazer-se da tortura
de ser o único responsável de si mesmo
de não só estar completamente mal
e conhecer todas as razões para tal,
mas de correr o risco de ficar bem
e conviver com a ansiedade de poder
voltar novamente a se desfazer

quarta-feira, abril 19, 2006

pornoGRAFIA desCARADA #1

entrevista pelo decote dos lábios
a língua alivia os dentes,
o nervoso que treme,
a saliva lubrifica a mente
lambuzando os dedos da moral
enquanto os cílios se abraçam
e as pálpebras se deitam,
cobrindo por decoro,
um paradoxo, as pupilas

mas os olhos não se aguentam
e se fitam fugidios:
ser menos que breve é uma tortura,
o desejo prolongado lateja

a vontade progride
pelas formações angulosas da tua pele,
me projeto no teu palato
os poros se dilatam
a epiderme se relaxa
os pêlos ficam eretos
e o sangue, pressentindo festa,
se aproxima das extremidades
tu vêm à tona no rubor da tua face

*segunda versão

domingo, março 26, 2006

meio sorriso

os outros podem destruir tudo
aliás, eu posso me destruir todo
podem esquartejar minha autoestima
e eu posso incinerá-la ao permitir

mas não vou deixar de ter minha cara de bobo
acreditando que tudo ainda vai ficar bem
nem pode findar o meu meio sorriso
que quase sempre, parece quase tristeza
mas quando há realmente motivo de tristeza
se transforma em quase quase felicidade

não, não se engane,
é tudo menos apatia
pois quem vive de sutileza
é imune a grandes sobresaltos
tanto pra cima quanto pra baixo

minto, não é bem assim:
quem vive de sutileza,
discerne bem o que é relevantee
o que não é, relevamos

por exemplo:
uma queda não o é
o esforço pra se levantar, sim
a ascenção não o é
ficar parado lá em cima, isso sim

enfim

sábado, março 25, 2006

desnudar

Meu amor, não se desculpe
pelo que não há por que
não é tempo que preciso
só quero o tempo eterno
desse conjunto imbatível
olhar sorridente infinito
que aumenta meu sorriso
que só tem bocas pra você

Saiba que você não precisa
dar provas de amor ou nada assim
o que você precisa, isso sim
é provar de mim
pra que eu possa saber
que posso te satisfazer
na minha satisfação de ti

Desse jeito você vai poder tocar
o que poucos conseguem se tocar
que existe em mim
pra poder descobrir o que há
debaixo de tanta pele e cicatriz
só preciso que você confirme
que o brilho que me encanta no teu olhar
é também desejo de me despir
e eu farei o strip tease sublime:
tirar o que de excesso existe em mim
e ficar só a sutileza que me sustenta
algo muito próximo de você

sexta-feira, março 17, 2006

Suspiro

Você fez as músicas tristes perderem o sentido em mim
No máximo, hoje eu acho bonito esse sentir
como acho que é qualquer coisa honesta que se diz
E quanto as músicas felizes, ah, me fez acreditar
que outras muito melhores poderia escrever

Você.... você é a mão que eu posso segurar
quando nada além disso parece seguro
Você tem a cabeça cheia de idéias
que no meu ombro não pesa
e o coração exuberante que combina com meu jeito despojado de ser

Você é o suspiro que me inspira
é docimente sinestésico, anestésico até
vide a ansiedade do encontro cuja certeza me acalma
e as borboletas no meu estômago que voam esplendorosas pra sua boca
e acham lá o seu lugar, deixando de me perturbar no estômago
e me tranquilzando o coração

Você é a obeviedade maravilhosa em que eu custo a acreditar
Você é o olhar que se declara e que eu só posso retribuir olhando
porque minha boca se reduz a sua insignificância
pois não há algo nobre o suficiente para falar

Você é o estranhamento com o qual eu me sinto confortável
e a certeza iresoluta de que não adianta pressa
você é muito
nunca poderia te experimentar por completo
e por isso não se justifica pressa
apenas cautela, para que eu possa conhecer da melhor forma o melhor de você

sexta-feira, março 10, 2006

- hiato

emoções rápidas demais para registro
e o ócio tomando todo o meu extenso tempo disponível
é por isso que eu não atualizo ;p :/ :S

domingo, fevereiro 26, 2006

rompendo

Minha superfície descasca. Algo estranho em mim... alguma coisa lá dentro, bem fundo, cresceu. Mas cresceu tanto, mas tanto, que eu não me contenho mais.

domingo, fevereiro 19, 2006

aDORnadaCOMsuasLÁGRIMAS

segurou-se na tristeza
tão conhecida sua, tão intensa
que lhe confortava, quase sólida
garantindo-lhe um lugar
no ser e no estar
um abrigo contra o medo
que trocou por uma certeza
a certeza da tristeza

nela confiou
por ser sua única companheira
dentre todos sentimentos
o único constantemente intenso
sendo cada aspecto dela tão familiar
que, sem provas, poderia identificar
a sua presença apenas por indícios
que sabe lá se existiam

acostumou-se com a dor
e erroneamente julgou
estar imune ao sofrimento

a dor é uma droga
e ela havia tido overdoses mil
até acreditou ter perdido o vício
mas não passava de uma conclusão vil

necessitava sim de doses mais fortes
posto que dor intensa já era trivial
precisava se martirizar até obter
algum tipo de percepção existencial

morre de medo de se desestabilizar
de ter que enfrentar a dúvida do existir
a despeito da sua certeza de sofrer

não percebe que não consegue
lidar com outra coisa além de dor
associou amor a sofrer
a resguardar-se
frustrar-se
e resolveu repetir essa experiência
eternamente, com displicência
adornada com suas lágrimas

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

mais pra se viver

eu tenho o tempo corrido
e o desperdiço devagarinho
como quem brinca com o perigo
eu finjo que descanso
sem estar cansado primeiro
e me perco no tédio
à procura de um remédio pra preguiça
que não seja algo dinâmico

e enquanto isso, eu fico aqui pensando
que deve existir mais pra se viver
do que ficar conjecturando
que deve existir mais pra se viver

sim, deve haver mais pre se viver
do que ficar conjecturando que deve haver
mais do que conjecturar aqui que deve haver
mais pra se viver

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

glow, blow

there is a shine in me
that only you can see
as there is a glow on your skin
that absurdly
don't blind the whole world
because they're too blind to see
but I'm not
I'm caught
by the glow of your body
that just blows my mind

I'll pick up my shine
you keep your light
and we'll burn together
brighter, forever

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

obra



Multiplana em tela
Etérea enquanto matéria
Carnal quando é rítmica
A capa além do óbvio, como verso
Envolvente imagem em movimento
Trancedente imagem aprisionada
ou como verdade ficcionada

Muito bela em teoria
depois de escarrada e esculpida
mas antes do adiante
quanto custa a obra?
e o mais importante
o quanto ela cobra
do pedreiro de auto luxo
que é o artista?

Eu pergunto ainda
e o que lhe resta
depois de tanto artifício
empregado nesse vício
de fazer a obra?
Ou então não tem resto
e é ele que sobra?

Pois bem, penso assim
A obra completa
é o artista per si
7 artes em um ser
transbordando
para não se afogar
ensimesmado

A maior arte desse ser
é não somente sobreviver
como todos de sobras vivem
mas conseguir ainda existir
o que se pode fazer com estilo
até sofrer pode ter seu brilho
e isso sabe quem é artista de verdade
cada passo calculado
espontaneamente, é claro
fingindo sempre não ser cool
pois apelo cool maior não há
digo que artista sem humildade falsa
é que acaba soando como farsa

Ele tem Um buraco eterno e sem fim
jorrando coisas boas e ruins
pois quanto mais intenso vive
mais produz e prediz
do pensar e sentir alheios a si
e tão comuns a todos

Esse desejo constante
de querer mais e mais
sentir mais e mais
ser mais e mais
nunca é preenchido
graças a deus!
porque se fosse
produziria sempre mais do mesmo
se inspirando tanto em si
e esquecendo do alheio
que acabaria perdendo o fôlego
e se afogando em si mesmo

Em caso contrário, saudável
Muita vez a obra em tela
é mais viva e bela
do que o que vê o poeta
porque o que ele pinta
ninguém mais viu igual

Sua sensibilidade é tão completa
que nem só a beleza inspira
mas a tristeza também
quando a partir dela vem
a vontade de mudar a vida
transformá-la em metáfora
feita de suor e lágrimas
ou que seja de gozo e riso
ou qualquer mistura única
dos ingredientes da nossa alma

Sejamos todos pois, obra e artista
sejamos tinta e papel
deixemos que nos escrevam
que borremos
e que nos rasguem as páginas
e o mais importante
conservemos o rascunho vivo
para nos libertar
do preço mais caro
que se cobra:
o de pertencer a obra

terça-feira, janeiro 31, 2006

survival

ou auto-ajuda anti-clichê

Fazer o que, o texto veiu assim em inglês... vai ver é saudade que meus dedos tem de escrever nessa língua, que sempre serviu de suporte pra minhas loucuras! =p



Survival

I can get despair from any fountain, cause sadness is just another kind of madness. I mean, it doesn’t have any reason to be, doesn’t make sense at all. Depression is so stupid… how can we feel so bad, worse than anyone? We’re all full of shits, and all full of graces. We have to be very stupid not to see the last ones. And almost always, we are. Stupidly believing that pain has a reason itself, but it has not.
The world is very dangerous, there are traps everywhere, and we need to be very fast, and very smart, not to be caught up. It’s not about courage, it’s all about survival. I don’t keep pushing on because of any kind of courage, but because of fear, the fear that I have of letting myself behind, of being unhappy, of feeling empty and lonely again. I have tasted from despair. I know what kind of suffer is waiting for me if I let it catch me. And I know that there are infinite ways to suffer, but none of then is bigger, or worse, than the one I tasted, cause it was the non-living one. The living ones are almost always lighter. Or at least, it’s the same thing, but with some extra-advantages, like the risk of having fun and being loved.
I think that no one that has a really good friend can feel despair, at least not for a long time. Friends are people that can see us very clearly, and they can show, even without words, that we can not see it right, that we don’t have reason to feel despair. We can’t give up. Not because of honor, or anything like this, but because we will be caught up by the trap, the pain trap: being unhappy for no reason, and making other people unhappy too. Happiness is always shared, and so we can’t do with pain. It is, in the opposite way, multiplied, making other people to be caught up.
Reasons to feel the happiness? I can find them anywhere, by any fountain: from a song, from a smile, from a beautiful sunset. Yes, it’s stupid too. Explanation for it? It doesn’t have one. I just feel. I just try to keep pushing on. It’s no about faith, I repeat, it’s all about survival. If it is to be stupid, be a happy one. Don’t loose such time trying to understand. Human being has being trying it for so very long, and hasn’t found it. But millions have already found happiness. And now, what? What you’re gonna do?

*special thanks to michel ;)

segunda-feira, janeiro 23, 2006

cravinhos

Pessoas, pessoas, desculpem por ter deixado o blog as moscas! Não é que eu não esteja escrevendo mais, pelo contrário, estou escrevendo como nunca, mas em gêneros novos, e por isso ainda estou deixando os textos madurando na gaveta.

Andei lendo bastante autores de contos, e estou gostando muito, o que acabou me levando a espontaneamente ir criando os meus. Não sei nem se são contos, ou se são crônicas, mas são uns textinhos em prosa aí =P Nem os especialistas em literatura sabem definir bem a diferença entre os dois, não sou eu, pobre plebeu pseudo-intelectual, que vou desvendar esse mistério.

Só sei que logo, logo, volto com novidades aqui, provavelmente com a continuação do ''menino e o seu tempo''.

Enquanto isso, pra não deixar um hiato tão grande, vou postar um textinho antigo, sobre um dos meus temas mais recorrentes: a metalinguagem. Dessa vez de uma maneira um tanto mais bem-humorada e escatológica(deus abençoe Augusto dos Anjos).

cravinhos

poeminhas embrionários
são como pequeninos cravos
que incomodam sempre, sempre

agente espreme, espreme
chega até a se machucar
porém eles continuam lá
incólumes e invencíveis
e não vêm a desabrochar

só quando muito inflmados
e em espinhas transformados
pode se expulsar o pus
e o poema vem a luz

sexta-feira, janeiro 06, 2006

inflamado

Meu fogo me consome antes
de te queimar mais adiante
sempre me incedêio primeiro
antes de chamuscar terceiros

não sendo-se a própria lenha
a ferida logo se cura
por isso é forma mais segura
se queimar com a flama alheia

mas sendo minha, não sossega
na renúncia dessa espera
apenas crescem suas labaredas

que em mim rarei o seu ar
faltando apenas queimar
tuas raízes semi-secas

quarta-feira, janeiro 04, 2006

brigado 2005, feliz 2006!



2005 foi um ano muito legal. Meu terceiro ano conturbado, várias perdas, vários ganhos. E no final, acho que deu num bom balanço. Porque mesmo que a gente se estrepe, a gente dança, literalmente. E quem dança... seus males rebola fora :P.

Meio que sem querer acabei criando esse blog, coisa que eu queria fazer a muito tempo, mas não tinha tido coragem ainda. Um blog é uma coisa extremamente pessoal, e aí estão todos os seus prós e contras. Até agora acho que os prós estão imperando, e espero que assim continue. Achei nesse espaço aqui um estímulo para estar sempre escrevendo e melhorando, de forma a produzir algo a altura dos meus leitores. Adorei a retribuição dos mesmos, seus comentários, suas críticas, seus elogios, enfim, toda a interação com outras pessoas que esse veículo me proporcionou.

Fiquei extremamente feliz de conhecer várias pessoas interessantíssimas através do blog, principalmente aqueles cujos blogs que estão linkados aqui. Se vc é uma dessas pessoas, pode ter certeza de que tenho enorme admiração por você, e até me inspiro um pouco no seu talento. Não vou citar nomes, porque a gente sempre esquece de um ou outro, acaba virando uma injustiça, mas quero agradecer a todos os que me acompanharam durante esse ano que passou; meus amigos distantes que agora podem me ler tranquilamente como antes, e de todos os meus amigos virtualmente reais que fiz aqui. Que 2006 seja um ano tão bom e cheio de realizações como esse que passou foi. Feliz 2006 pra todos vocês!