domingo, abril 29, 2007

Não tem título

Sabe como ama um gato
um amor que não é fácil
e s'indolor

um amor não automático
um amor que indiferente
convivência sutilmente
todo o dia
e vela (`)a noite

meu deus como é bonito
que brilho é esse
de sol dentro da noite
quando tu me olha assim
tão penetrante indiferente

notar
depois de um dia inteiro
o gato
imóvel em cima da cama
ao lado do jarro das flores do armário

como pode amar assim um gato

Elegia

quarta-feira, abril 25, 2007

o pó ainda paira

da explosão de vidro da janela de um carro sem insufilme
nasceu esse mundo
pulverizado
informe
rasgante
e rasgado

brilhando
em parte
em cima da pista
Pó de vidro na poeira do asfalto.

meus olhos
ardem
me dói
a dor de cabeça
e eu nem sei
e eu nem vejo
mas,

O pó ainda paira.

domingo, abril 08, 2007

Os gatos aéreos de minha mãe

Para Yeti Braga
Por cima das telhas, olhos brilham no escuro. Os gatos aéreos pesam menos de um quilo e nunca tocaram o chão.

Minha mãe os alimenta à noite, sorrateira, para que minha vizinha histérica, que fica de vigília no apartamento de baixo, não veja. A luz da varanda acesa.

Os gatos se alimentam de camarões translúcidos os quais minha mãe lhes joga da altura de nosso segundo andar. Moro sozinho com ela aqui nessa cidade sozinha, num lugar qualquer entre prédios e casas. Minha gata Yeti desapareceu há três anos e foi achada morta pelo mesmo zelador que a matou, em um terreno baldio perto daqui. Sei que a vizinha do lado, amiga da histérica, foi quem encomendou sua morte. A velhinha não suportara o fato de ter como única visitante a gata esbelta e branca, mais branca do que a cor branca de seus cabelos. Yeti deslizava da minha varanda para a dela e completava o retrato de uma vida insuportavelmente solitária. O sofá azul, a tv ligada, o marido, eternamente dormindo na poltrona da sala e a sombra da gata, a sombra mais alva que a luz da tv.

As duas vizinhas jamais se viram, mas se reconheciam cúmplices nos gritos que ouviam durante o dia, as pragas se alternando entre os gatos da rua, as crianças do prédio e qualquer sinal de vida que viesse de fora. Foi depois da morte de Yeti que os gatos aéreos surgiram, toda noite prostrados em direção à nosso prédio, reunidos em um bando de seis. Como que em vingança, encaravam a velha no escuro quando levantava de madrugada para ir tomar água na cozinha. Os doze olhos vermelhos fixos na escuridão contra ela, a velha se apavorava.

A mim também sempre olhavam, não em vigia, mas como que na espera, e eu não podia fazer nada além de tentar desesperadamente adivinhar o que queriam. Não importa que horas da noite olhasse da minha janela, sempre encontrava os seis ou cinco gatos me encarando no escuro, como prestes a pular para dentro do meu apartamento .

E apesar da altura e distância, isso nada me parecia impossível, já que dado a alimentação peculiar que recebiam, era enormes, grandes e fortes e mais que tudo, leves feito aves. Não me surpreenderiam se fossem feitos de oco, como as cascas inteiras de camarão que minha mãe lhes jogava, todos os dias, depois de nos fazer o jantar com a carne que extraia. Só não teria certeza de que fosse assim porque aqueles olhos de lanterna vermelha pressupunham vir de um fundo tão fundo que era tudo menos vazio.

Eu rezava todas as noites pela vizinha tola, já que sabia que tanto Deus como o Diabo possuíam gatos e que em nenhum dos lugares teria misericórdia. A histérica reclamava das moscas, que comeriam o côcô dos animais, e a velha já esquecera a muito tempo de dar pretextos, ameaçando jogar carne envenenada para os gatos. A histérica passava as noites em vigília e ao ver os corpos ocos de camarão sendo jogados do andar de cima, espumava de raiva e juntava a energia que despejaria no dia seguinte amaldiçoando os gatos em voz alta.

Mamãe não as temia, mas crescia seu amor pelos gatos. Eles pareciam entender e aumentavam seu empenho, esperando em fila em cima do muro quando ela se atrasava. Não seria preciso dizer que nessas ocasiões apavoravam ainda mais a velha, mas a histérica jamais se apercebera porque nunca olhava pela janela.

Isso tudo até certo dia em que a velha não praguejou e a histérica, preocupada, foi finalmente ao seu apartamento conhecer a velha amiga. Encontrou marido e mulher mortos estatelados no chão, o boletim de polícia dizendo que morreram envenenados. Os gatos das telhas desapareceram, assim como o zelador, que pós fim ao inquérito assinando com a fuga o certificado de culpa, e nunca mais foi encontrado.

segunda-feira, abril 02, 2007

a queda da panela

A luz da tv ilumina o quarto na madrugada

o som é baixo
mas abafa o murmúrio da rua
que incomoda

vozes desconhecidas e deslocalizadas
o assobio insistente que começa difuso e ronda o quarteirão
barulhos esparsos e ritmados como que de passos na escada

o som da tv
o murmúrio por hora o abafa
uma pancada de metal ressoa alto e em seguida o silêncio absoluto
nem sequer os passos

agora só a respiração da cama ao lado
e aos poucos o barulho seco de uma gota alta
barulho esparso e ritmados
É o tempo nessa madrugada.