domingo, novembro 09, 2008

Iguatu











esse lugar
que é tanta coisa
mas não é,
em que eu já fui
mas não conheço
me evoca
certa sensibilidade
que não é minha
mas agora sim
o meu céu de Suely
o posto de gasolina
em que eu parava
no trajeto asa branca
fortaleza - barbalha
o que há de mais profundo em mim
como se a pré-adolescência
me cavasse tão fundo
como a infância
e tudo isso
o lá do fundo
o pós-tudo
o forró com melodia
do roxette
e a britney spears
truando
no som de carro
sob esse céu do Líbano
sem petróleo
mas com postos-BR
tudo isso
esse pouco
tão tudo
me elevasse
acima
desse céu sem núvens
só azul
só céu
é um lugar bonito
por onde passar
da tenra adolescência
ao mestrado por-fazer
em São Paulo,
a Nova York
do Ceará

domingo, novembro 02, 2008

vida de qualquer um

anda a pé
perde o gato
está gripado
compra uma cadeira
olha a chuva
declara sua renda
tira férias
vende a casa
assiste à demolição
lembra-se de maio
falta à obrigação
responde a perguntas
põe fraque
organiza o natal
espera uma carta

*índice do capítulo homônimo do livro ''cadeira de balanço'', carlos drummond de andrade.

sábado, agosto 09, 2008

Gato









barulho de patas
acolchoadas
peso macio
nas costas
garras me alisam
pelos me percorrem
a espinha

corpo intangível
somes na casa
mas teu sorriso
invisível
por todo lado

te acho
dormindo na cama
embaixo
tua coluna ondula
no decorrer do meu tato

com a ponta dos dedos
agarro a tua falta
rastros de pêlo
e um miado

eu roço
o vazio
arranho
o espaço
entre a tua presença
e a ponta do rabo

da tua presença
somente a falta
e uma lembrança
que dura
no meu braço
a tua garra

sábado, agosto 02, 2008

Aos poucos

Abrir os olhos. Virar o rosto no travesseiro. Ficar de lado. Levantar rápido, desligar o despertador, espreguiçar. Dormir mais um pouco.

Deslizar a cabeça sobre os lençóis. Acordar de novo. Sentar na beirada da cama. Ir ao banheiro. Enxaguar a boca, escovar os dentes, fazer xixi. Sentado.

Voltar à pia, escovar os dentes, sem pasta: tirar o acre da boca. Ir tomar café.

Desistir. Tomar somente água. Quem sabe um leite com açucar.

Sentar de frente à TV. Reunir forças. Pensar no que se tem a fazer. Deitar no sofá. Ver programas de TV. De culinária. Sentir um pouco de fome, esperar o almoço. Comer pouco.

Sentar em frente ao pc. Ver algumas notícias. Evitar os e-mails mais sérios. Começar a se arrumar na hora em que deveria estar saindo de casa. Sair de casa na hora em que deveria estar chegando lá.

Andar pululando de calçada em calçada, buscando as sombras. Se encostar atrás da parada, pensar um pouco. Se erguer impaciente, o ônibus chegando. Não ser a linha correta. Esperar o outro. O outro. E o outro. Enfim.

O sol no rosto. Sentar-se no lado da sombra, um desejo. Não haver vaga. Ir em pé. Chegar meio vivo. Seguir a pé. Atravessar a rua. Fazer as coisas. Sutilmente. Todas as coisas. De cada vez.

Se aos 15 eu achava que iria ir morrendo, aos poucos, hoje eu vejo que não, que eu vou vivendo, que eu venho vivendo. Aos poucos.

quarta-feira, julho 09, 2008

29 de Fevereiro

Estar escrevendo
é dizer
Quem se é
Naquele exato momento

E eu sou tão sendo
Que todo tempo eu me elaboro
Mas quase nunca me enuncio

Quando o faço é caso raro
Quase sempre de cansaço
De tanto me desinventar

Eu sou todo desmontado
Vou me espalhando
Eu me espraio
Eu vou ficando
Ralo
Esparso

Bissexto

sábado, abril 12, 2008

Poema para uma mosca morta












Vendo a mosca morta assim
Estatelada
Morta mesmo
Sobre a fórmica branca
Limpinha
Patas pra cima
Olhos estáticos
Asinhas coladas ao chão
Pobrezinha
Me vem até certa comoção

Mas isso vendo-lhe assim,
Tão pequenina
Mas imaculada
Sem destroço
Nem nada
As duas asinhas meio tortas
Mas ainda coladas ao corpo
Caso contrário,
Sentiria só nojo

Percebo, assim
Que a cota
Do que me toca
É como você,
Pequenina

Morta assim
Inteirinha
Sem asa pra um lado
Nem sangue espalhado
Consegues pousar leve
Sobre a minha consciência
E se instalar
Nessa superfície branca
E insípida

Constato
Não sem horror,
Mas com certa alegria,
Que o meu estômago
E simpatia
Só respondem a uma certa quantia
De carne e de osso
Ou parentesco
Na escala evolutiva


Um bom exemplo,
A foto do elefante morto
Congelado, nas geleiras do Himalaia
Mesmo encontrado inteiro
Imaculado
Faltando na verdade somente a ponta do rabo
Isso sim
Me ojeriza
E tomba
Sobre a minha espinha