domingo, novembro 12, 2006

vazinho

Olha o jardinzinho na varanda! Ela fez o chão de concreto, pra absorver a água que transborda dos pratinhos depois de cada vazinho ser encharcado cuidadosamente com o aguador. Olha só, ele é rosa, não é bonito? Mas que idéia, hein? Quem iria pensar numa coisa dessas? E ainda deixou aquela varandinha minúscula tão mais aconchegante... azulejo é uma coisa bonita, mas parece hospital, né? Uma idéia tão simples, tão simples, mas tão boa. Uma besteirinha mesmo, mas um efeito tão bom.

- Foi uma ótima idéia, Margarida, incrível como os pequenos detalhes fazem a diferença.

Risos. A outra assentiu com orgulho:

-Sim, sim, deu uma diferença, não é? Sabe que eu fiz sem nem saber se ia dar certo? Tava olhando outro dia o jardim de inverno da minha cunhada, quando viajei pro interior, ela foi me mostrar a reforma que tinha feito, eu achei lindo, ela disse que gastou tão pouco; concreto é barato, né? E em conta, eu pensei: porque não? Risos.

Uhmmm... Então a idéia nem fora assim tão original. Combinava com o apartamento, tudo tão simples, o sofá amarelo opaco com aquela parede branco gelo... Simpático até, aconchegante, mas bem simples, era mesmo o jeito do João, da Margarida, gente tão boa, ela tão inteligente, mas tão pouco afeita ao requinte... Pro João tanto faz, aliás, pra ele quanto mais prático melhor; não se importa de pagar uma boa nota por isso. De qualquer forma, a idéia tinha sido dela, quer dizer, mais ou menos dela, mas ainda assim parte sua; ela, que se recusara a ir no curso de decoração porque achava bobagem, melhor cuidar do curso de culinária vegetariana, o João engordava, o colesterol alto, ele beirando aos 40, aí já viu, né?

- Ainda bem que o Miguel faz yoga e dieta macrobiótica; ele até disse que ia comigo no curso, acredita? A gente tava querendo fazer uma mudança na casa, e...

-Hã? Curso... que curso?

-Ai, esquece, mulhé, tô misturando os assuntos. Cê lembra do curso de decoração? Poisé, queríamos dar uma geral na casa, ele não gosta como tá, nem eu. Sabe que a gente mudou meio com pressa, né, não dava mais pra morar na casa da mãe dele; ela não é que nem a sua; ela manda até hoje bolo pra vocês de vez em quando, né? Falando nisso é tão boa aquela receita, hein? Cê tem que me passar ainda. Pois então, como eu dizia, sabe como é, a gente foi se ajeitando aos poucos, primeiro a cama, é lógico, depois sofá, fogão, microondas, decoração. A geladeira a gente já tinha porque tinha comprado antes, né? Se a jararaca não tivesse surtado, tinhamos comprado mais coisa, é lógico, mas a gente teve que ir se virando com o que tinha. Eu sei que no final ficou uma coisa meio esquisita, muita coisa bonita, mas que não combinava, cê sabe como é, né? O Miguel tem uns gostos exóticos, eu adoro, detesto mesmice mesmo, mas fica difícil equilibrar...

-Mas que é isso, Cláudia, você tem um apartamento tão bonito!

-Ah, que nada, bondade sua, querida. Quer dizer, é bonito, claro, mas sempre pode dar uma melhorada, né? A gente, pelo menos, tenta...

-É...

Não consegui ainda... Claro que o apartamento era mais bonito que aquele ali; mas também, aqueles dois mal ligavam, era um desleixo com algumas coisas, era gente tão boa, não entender por quê. Mas apesar de tudo eram definitivamente ótimas pessoas.

-Quer biscoitos?

-Não, não, brigada, já comi minha cota hoje. E esse vasinho, de onde veio?

-Ah, foi da nossa viagem à Índia, sorriu.

-Uhmm, claro! Bem pude ver, esse tipo de pintura... Muito bonito, teve uma época em que foi moda, né?

-Foi? Eu acho tão bonitos, além daquela coisa, tem toda uma história, um negócio assim simbólico, algo a ver com Shiva ou com as castas...

-Com as castas? Ai, que horror! Por isso que não gosto desse negócio de tradição, serve só pra manter coisa ruim... Prefiro meus jarrinhos de plásticos, sabe que fora desenhados pelos irmãos Campana?

-Uhm, legal... E o Marquinhos, como tá na escola? Aquele problema das mordidas?

-Ai, o Marquinhos! Quase esquecia... querida, adorei a nova varandinha, mas tá na nossa hora, oito e vinte já. Você pode me levar até a porta?

-Que é isso, Cláudia, ainda tá cedo! Os meninos mal começaram a conversar... Deixa eles ficarem mais um pouco...

-Ah, Guida, eu adoraria, mas o Marquinhos tem já que dormir, aula cedo amanhã e ele não dorme com a empregada.

-Uhm, então tudo bem. Espero vocês de novo, então.

Sorriso na boca; na outra, dois beijinhos, o estalido da tranca da porta às suas costas. Mas não sem antes ter que passar novamente pela varandinha, decorada com o mais rude afinco, a salinha simpática e minúscula. Ao chegar ao corredor fechado, um suspiro; vaso de planta, tapete, quadro, tudo igual, seu andar. Miguel vai à frente, abre a porta; quatro metros percorridos com alívio, ela tira os sapatos antes de entrar... e ufa!

quinta-feira, novembro 02, 2006


CENA FINAL: CAMPO EM FRENTE AOS PORTÔES NEGROS. FORA. NOITE.



As tropas inimigas marcham de encontro uma a outra: um, três, um, três, um, três, sentido, confirma! Quatro, cinco, quatro, cinco, atenção, confirma... Sentido? Uma multidão de corvos impávidos colossos observam sobre os portões.

Enquanto isso, os dois casais remanescentes da Sociedade chegam à taberna para cumprir sua missão; defender o hobbit barbudo até o fim. Lula, sim! Depois de tantos obstáculos, longos meses de jornada, montanhas de dossiês, mídia, militantes, partidários e ex-coleguinhas, chegaram, dentro do possível, quase intactos e transatlânticos. Mas a tranqüilidade não dura muito; logo são rechaçados por uma terrível chuva de bolinhas de papel.

Recuam e recorrem a uma rodada de cerveja, por favor. Chega um momento, entretanto, que não conseguem sequer pensar em aceitar que o hobbit possa lançar seu anel no abismo, e hesitam; cantam o mantra lulalá, é de novo com a força do povo! E não ficam incólumes: arma-se o flagra da recusa de um documento-panfletário, e pronto, denúncia nela! Não quer ser apurada, aponta-lhe o dedo, afirma quem é você para falar em moral...
E no final de tudo, ficam os anéis e vão-se os dedos.

Sem noção? Eu? =o
Toma: http://noticias.terra.com.br/eleicoes2006/interna/0,,OI1194864-EI6652,00.html

quarta-feira, novembro 01, 2006

talvez um poema


que desfizesse o ritmo das tuas possibilidades,
transformásse em lá tua marcha ré,
e galopasses num ritmo sempre delirante
desfizesse o enigma do teu gesto, a ti mesmo,
te mantivesses ereto e firme como um lord inglês
dissesse não podes, não dá, mas irás conseguir
mostrasse o que há detrás de cada porta
e que pudesses mantê-las fechadas
revelasse tesouros por detrás de meio-sorrisos
e lhe lambesse os pés cansados
mas que nunca, nunca
nunca te prendesse dentro de um balão de hélio