terça-feira, dezembro 05, 2006

para abrir depois do portão

aquilino e cruel, transversal
atravesso os espaços que me separam do meu destino quotidiano
tropeço na sombra dos pássaros sobre o meio-fio

me levanto
e me espanto
com o retrato da árvore refletida na tela da jenela de um carro qualquer
olhares de vigilância incidem sobre mim, e fujo, coagido

mais diagonal do que nunca
percorrro os fios ao bater de cílios
me abismo ilhado entre dois tráfegos, e equilibro
a mim mesmo sobre fluxos opostos

sigo

sofro o assédio da cidade,
a turba presa no espaço entre a calçada e a pista
o baque surdo no vidro
e elogios pouco cordiais
o fremido dos freios dos carros
o som da cidade em frequente cio
do macho que toma à fêmea à força(a borracha e o asfalto)

mas sigo

o meu reflexo treme febril no espelho do ônibus,
imagens que passam indistintas, ainda que não tão velozes
formando um novo abismo
mas já é o fim da linha
e o pensamento se desata
ao meu puxar do fio

e sigo

naufragado entre concreto e asfalto
mas não sem antes me escrever um bilhete
para abrir ao fechar do próximo portão

3 comentários:

Anônimo disse...

pra mim isso é o poeta dirigindo :)
:***
gostei muito do (asfalto e borracha)

bruno reis disse...

eu sou um poeta fuleragem(aliás, todos os poetas são mazelados, como diria minha cara deborilda.). estava a pé mesmo =p. digo, no poema, o eu-lírico está à pé... olha só o tropeço, o ônibus, enfim.

Lediana Aquino disse...

Sim. Um eu-lírico pedestre. Andante, eu diria. Adoro poemas assim, que tentam traduzir em palavras a união entre o que os olhos vêem e a impressão e o sentimento desse instante.

Gostei dos "sigo (...) mas sigo (...) e sigo" demonstrando o constante caminhar.

Mais um ótimo poema!
Bjo!